segunda-feira, 9 de julho de 2018

The Terror (2018) - baseado no livro de mesmo nome, Ridley Scott nos entrega ode ao horror cósmico.


 Tentando retornar ao blog da melhor forma possível, claro. E depois de assistir à série The Terror (bem atrasado, por sinal) não enxerguei oportunidade melhor para tal feito. Temos aqui um drama de horror psicológico baseado no romance de Dan Simmons, e que se utiliza de vários elementos do horror cósmico para nos entregar um arcabouço de maravilhosos momentos. Ter Ridley Scott na produção da série é algo que pode ser visto como bom e ruim ao mesmo tempo, porque ele está bem "tantan" ultimamente, nos entregando coisas que vêm beirando o muito ruim (nem preciso citar Alien: Covenant), e que já provaram que o camarada parece que decidiu atingir ares de grandeza de formas brutais e bem forçadas. Porém não dá pra negar que sua paixão lovecraftiana (que inicia-se lá no primeiro Alien) sempre foi algo que me fez (sim, estou falando de mim, não generalizando) apostar de novo nas atmosferas criadas pelo velhinho. Ele é um dos poucos que conseguem trazer à tona a atmosfera e os cenários que acertam em cheio ao canalizar um horror cósmico pulsante - vamos citar o exemplo de Covenant, que mesmo sendo bem ruim (eu achei) nos lança naquele mundo brutal onde os tais Engenheiros enfrentaram uma guerra com os possíveis primeiros Aliens, e toda aquela grandiosidade só me faz imaginar as páginas de O Chamado de Cthulhu onde vislumbramos em nosso imaginário a cidade de R'lyeh, ou até mesmo Nas Montanhas da Loucura, com seus mutantes estrelados ocultados pelo gelo antigo. Tá bom, mas o que tudo isso tem a ver com The Terror? Bem, irei falar sobre isso agora! E já alertando, talvez eu solte alguns spoilers sobre a série, porque infelizmente não dá pra comentá-la e lançar meus pensamentos sem falar de coisas que ocorrem na produção. Certo? Mas não será nada que estrague as surpresas principais, podem ficar tranquilos. Então vamos lá.


 Quando eu li a respeito da série baseada no livro de horror O Terror, eu não imaginava que ela seria isso que foi. Eu não havia lido o livro, mas sabia que ele é gigantesco (sim, tem mais de 700 páginas), e somente sabia que toda a história é uma ficção baseada num mistério real - em 1845 dois navios da Marinha Britânica partiram com a missão de encontrar uma rota para o Oriente atravessando o frio intenso do Ártico, e nunca mais foram vistos. Esta é conhecida como uma das tragédias náuticas mais famosas de todos os tempos, e no livro Dan Simmons nos lança uma bizarra teoria do que poderia realmente ter ocorrido à toda aquela tripulação dos navios Erebus e Terror.


 É difícil imaginar que um livro gigantesco possa ser condensado em uma temporada de apenas 10 episódios, mas aqui a magia foi feita. The Terror nos conta muito bem essa fantástica teoria e ainda nos abre espaço para excelentes atuações e subtramas acerca dos tripulantes de ambos os navios. Temos o Capitão John Franklin juntamente com James Fitzjames no comando do Erebus e o Capitão Francis Crozier comandando o Terror. Logo de cara ficamos a par da hierarquia de ambos os navios, sendo que John (Ciarán Hinds) é o capitão principal (que mesmo estando no Erebus, comanda diretamente também o Terror), James (Tobias Menzies) é um puxa-saco de primeira de John e adora repetir a todo momento sobre seus "feitos" de guerra, e o Francis (Jared Harris) é apenas um capitão "de enfeite" no Terror já que na verdade ele é "apenas" o Primeiro Imediato do John. Ou seja, resumindo, se John morre, Francis vira capitão geral e o James seu Primeiro Imediato e por aí vai: John > Francis > James. Pode parecer besteira, mas essa hierarquia vai traçar toda a trama central da série, pois os três são os personagens cruciais que vão estar presentes em todos os principais momentos da trama, ou quase todos eles.


 O legal da série é que a mesma geralmente está a nos mostrar não só flashbacks da vida destes superiores da nobreza de Londres, mas também o que está a ocorrer no presente da cidade inglesa, onde outra trama menos explorada se revela nos deixando a par de personagens tão interessantes quanto, e o que estes estão a fazer e pensar sobre o possível desaparecimento dos seus entes queridos na perigosa empreitada para encontrar a Passagem (nome dado ao tal caminho que seria o ponto crucial para atravessar o Ártico em direção ao Oriente). No decorrer da trama também teremos muitos "encontros e desencontros" com nossas próprias ideias acerca dos personagens principais, sendo eles os superiores das embarcações ou algum dos outros tripulantes, sejam eles médicos, cozinheiros ou grumetes. O povo esquimó também é personagem importante na trama, nos revelando curiosidades sobre a cultura do mesmo e pedaços de sua mitologia mais que interessante. Mas sim, Daniel, cadê o horror? Cadê o cósmico? Cadê Lovecraft!? Eu vou chegar lá, calma. Como a série, também estou andando a passos mais lentos aqui, tentando esboçar todo o cenário para um melhor entendimento de onde quero chegar.

 Sim, como mencionei, a série anda mesmo a passos lentos. Isso pode irritar algumas pessoas, principalmente aquelas que preferem uma trama mais rápida ou até mais equilibrada. Adianto logo que The Terror realmente tem uma dinâmica muito mais lenta comparada a outras produções, o que é até engraçado, afinal a série é baseada em um livro de mais de 700 páginas e tem apenas 10 episódios, então deveria correr, mas a ideia é deixar o espectador preso ao mistério, mesmo que nos irrite um pouco. Então a mesma acerta em cheio, mesmo que de maneira estranha.

 Logo de início, quero dizer, antes do tormento todo começar, vemos aquelas pessoas irradiando esperança sobre a maravilhosa e grandiosa empreitada de encontrar a tal Passagem. Será um feito para os britânicos, portanto algo extremamente importante e significativo para a própria economia mundial. John, um personagem que inicialmente se mostra humilde, é na verdade um ditador que ama excessos e títulos. Nascido em berço de ouro acha que sua voz é lei seja onde estiver, e isso fica claro a partir de alguns poucos episódios. Já Francis é o oposto, e um personagem colocado ali para que simpatizem com ele de cara, pois mesmo que com seus altos e baixos ele nunca deixa de ser alguém justo e com uma mente extremamente aberta. James é aquele personagem incógnita (e ainda mais sendo interpretado pelo Tobias, de Outlander), onde o vemos numa gangorra entre muito infame e exemplo de pessoa íntegra. Falei dos superiores (vamos visualizar isso aqui como a mansão Downton Abbey - proprietários acima, empregados abaixo), agora vamos aos encarregados das outras funções nos navios, pelo menos os mais significativos. Temos o Harry Goodsir, um cirurgião com uma fraca personalidade que sempre se coloca abaixo de tudo e de todos e está presente no Erebus, mas que no fundo é o maior exemplo de integridade. Temos Cornelius Hickey, um dos muitos que cuidam da manutenção do Terror e que possui pretensões avassaladores e que vão se mostrar muito significativas no decorrer da trama. Há também a "Lady Silence", uma esquimó que surge logo no começo da série, desencadeando uma rota de acontecimentos nada agradáveis para todos os tripulantes. Todos estes citados, para mim, são as peças-chave para o andamento da história, e tenham certeza de que o equilíbrio entre eles é o que faz todo o roteiro ser extremamente bem amarrado, mesmo que com seus altos e baixos.


 Agora acho que está na hora de falar sobre o horror que toda a trama nos traz. O que está presente no decorrer de toda a temporada que realmente nos atiça a querer mais e ao mesmo tempo nos frustrar com um mistério realmente oculto. Aqui, desde o início, somos apresentados a vagarosos minutos de muitas perguntas e pouquíssimas respostas (não chega a ser uma Lost, mas chega perto, mesmo que com revelações mais rápidas), porém - diante de um contexto tão bem construído e instigante - não tem como não vislumbrar a todo momento algo maior e de proporções cósmicas. É aí que chego no dito horror cósmico. Para quem conhece Lovecraft e sua pungente mitologia que envolve entidades antigas e sedentas que ocultam-se na vastidão do universo e adoram mexer com a cabeça dos pobres humanos, sabe que seus contos fantásticos adoram explorar os medos mais ocultos acerca do desconhecido; desconhecido este que de tão oculto se torna abissal e mais que aterrador, levando todos os personagens à loucura iminente. Bem, em The Terror nós não temos tais entidades, ou pessoas que enlouquecem com sonhos de cidades geometricamente grotescas, porém temos ideias que perpassam esses ícones. O que realmente há para se temer na vastidão daquele local gélido onde as embarcações encontram-se presas e sem esperança de retorno? Claro, temos a fome, as doenças, a depressão, a raiva, a desesperança.. Fenômenos comuns quando se tratam de humanos em situações de desespero. Mas aqui não é "apenas" isso. Algo sobrenatural ronda o Erebus e o Terror e talvez tenha a ver com o povo esquimó, pelo menos é como os tripulantes enxergam em certo momento toda a coisa.

 Além de todo o distúrbio causado pelos fenômenos naturais somando-se à tal aparição mortífera do gelo que parece não ceder ao arsenal de armas de fogo presente nos navios, iremos nos deparar com a mente dos personagens, que podem ser diabolicamente mais aterrorizantes que qualquer terreno mortal. A trama explora muito bem o comportamento humano em situações extremas, e não consigo ficar sem comparar com a loucura apresentada pelos personagens lovecraftianos diante de situações surreais e inimagináveis. Neste sentido destaco na série o personagem Hickey (representado pelo Adam Nagaitis). Este personagem consegue pisar em todos os terrenos possíveis e nos surpreender a cada cena, seja como representante de um grupo inferiorizado, seja como um pobre e humilde homem que apenas almeja estar melhor posicionado na sociedade, ou seja como um algoz de decisões extremas e mortais. Ao lado da Lady Silence, Cornelius Hickey é para a série um dos seus maiores mistérios e certamente protagoniza momentos perfeitamente aterradores. Há cenas onde eu poderia jurar que estava lidando com cultistas de alguma adoração a Nyarlathotep, principalmente nos episódios finais, onde tudo realmente fica mais gore e cru.


 Em resumo mesmo, eu diria que a trama fala do medo para com o desconhecido, mesmo que lide prioritariamente com fenômenos considerados naturais. Ainda mais porque estamos a assistir algo presente em uma época de descobertas e medos que talvez não nos assustem tanto nos dias de hoje, portanto é óbvio que tudo se torna mais grandioso e aterrador. Preciso dizer que se formos pegar a obra de Lovecraft e analisá-la a fundo, iremos encontrar em peso "apenas" dilemas cruciais de uma sociedade em pungente modernização e o medo da rápida jornada ao futuro de um autor recluso e xenófobo com uma mente extremamente criativa e vasta? Claro que talvez eu precise, mas isso serve para esclarecer que todos os elementos do horror cósmico estão em The Terror, seja na sua história de época, seja na exploração de cenários desconhecidos e personagens maníacos, seja na mentalidade de quem assiste à obra (também, claro). Não estão presentes aqui as naves grotescas dos Engenheiros, ou os corredores escuros do subsolo de planetas desconhecidos, porém eu tenho certeza que muito do que Ridley Scott gosta de retratar sobre a vastidão e brutalidade do horror cósmico está na série e esta postagem metade análise, metade artigo, vem para que eu possa destrinchar o que eu realmente achei da série em si, e como eu falei no início, tentei ao máximo não soltar spoilers. E consegui! Pois há muitas outras coisas na série que beiram os limites da sanidade de qualquer humano, e cenas realmente impactantes, mas o principal acerca de como lidar com o vagaroso roteiro da série e o que ele - talvez - representa está aí nestas linhas. Realmente, e provavelmente, muitos não irão enxergar The Terror como eu visualizei, e talvez irão odiá-la, mas vai da opinião de cada um afinal.

 A segunda temporada da série já está a caminho, e pelo visto não irá tratar mais da trama apresentada na temporada anterior (afinal ela realmente termina), tornando-a assim uma série antológica como vemos em American Horror Story. E pode ser que o nome The Terror continue, porque lembremos que há mesmo um navio chamado Terror na trama, mas acredito que o título O Terror representa algo muito maior, ou seja, o próprio terror retratado no roteiro e seus personagens. Que venha mais terror, que venha mais horror cósmico!

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