terça-feira, 22 de outubro de 2019

Remedy, Control e lendas urbanas. Isso faz sentido? Vamos conversar sobre.

 

 Resolvi escrever um texto, quase como uma thread, diante do espetacular universo apresentado na nova obra weird da Remedy - Control. Como e por quê? Bem, desde 'Alan Wake' a Remedy não adentrava no terreno do absurdo e, digamos, sobrenatural, mas em 'Control' - que estive jogando por estes dias - pude maravilhar-me com a retomada da desenvolvedora diante do tema e, nossa, que retomada! O universo de Control não somente nos oferece um roteiro inteiramente misterioso e carregado de homenagens a tudo que você puder imaginar sobre cultura pop e geek, mas também possui uma trama que mergulha, e fundo, no contexto das lendas urbanas ou, as normalmente chamadas, creepypastas. E é exatamente delas que eu quero e irei falar nesta postagem. Pelo menos de algumas, ou melhor, das que eu pude notar no decorrer da jogatina, afinal ainda não finalizei o game. E, só para ressaltar, provavelmente irei mencionar detalhes (spoilers) da trama central de Control, afinal não posso levantar a ideia da utilização de uma lenda urbana sem citar seu contexto. Então é isso. Vamos lá!



 Irei começar pela creepypasta que considero mais interessante - Candle Cove. Mas antes, se ainda não conhecem a série televisiva do canal SyFy 'Channel Zero', mas adoram lendas urbanas, corra para vê-la, pois apesar da mesma ser fraca (pelo menos na minha opinião) e ter sido cancelada, ela apresenta, em suas quatro temporadas antológicas, praticamente todas as bizarras lendas das quais irei falar aqui. E, coincidentemente, a sua primeira temporada fala exatamente de Candle Cove. Mas agora vamos ao que interessa, do que trata essa sandice e o que a mesma tem a ver com Control?

 Logo no início do jogo somos apresentados a um programa televisivo que existe(?) no universo de Control, o 'Threshold Kids'. A Remedy já está mais do que acostumada em nos trazer universos tão ricos em detalhes que possuem seus próprios elementos internos, como séries televisivas próprias, e Threshold Kids faz exatamente isso em Control, servindo de elemento extra para o "entendimento" da trama da série e também como um adicional weird para entreter e deixar o espectador ainda mais imerso naquele surreal mundo. E então eu vos trago Candle Cove, que é uma creepypasta extremamente simples, porém muito efetiva. Ela se inicia com uma conversa num fórum aleatório, onde alguns usuários começam uma nostálgico papo acerca de um "programa infantil" dos anos 70 chamado 'Candle Cove'. Esse programa de fantoches tratava da simples estória de uma garotinha que se imaginava numa inusitada amizade com piratas. Até aí tudo bem, mas a coisa começa a ficar bem estranha quando certas citações lembradas no decorrer da conversa no fórum sobre alguns episódios em particular levam a entender que o tal programa infantil tinha muito mais a esconder do que aparentava sua simples e alegra capa, e certamente possuía um roteiro extremamente sombrio e até perturbador. Aquele grupo de pessoas presentes no fórum, que apenas estavam a discutir suas experiências com um aparentemente inocente programa infantil, chegam à conclusão de que o mesmo era muito mais sinistro do que realmente lembravam ou haviam ouvido sobre, e algumas memórias "perdidas" acerca do programa começam a surgir, em particular uma sobre o boneco vilão apresentado na trama, uma caveira chamada "Skin-Taker", ou "Tomador de Peles". A sua boca deslizava para trás e para frente, como se estivesse a mastigar algo. Alguém no fórum lembra que em um dos episódios a garotinha aventureira pergunta para a tal caveira sobre sua boca, e o Skin-Taker a ignora, porém olha para a câmera e fala "Para moer melhor a sua pele". Enfim, diante das discussões do fórum sobre esse esquisito programa e sobre certos episódios macabros, acaba-se revelando uma verdade chocante que acaba por questionar toda a natureza por trás do programa e daquelas memórias compartilhadas apenas por aquelas pessoas presentes no fórum.

 Isso aqui é um resumo bem detalhado que resolvi fazer sobre Candle Cove, a ideia central está aí, mas se quiser saber sobre o bizarro conto na íntegra, eu recomendo procurar no próprio site do criador desta creepypasta, o Kris Straub. Vale a pena ler. A representação da mesma na série do SyFy utiliza a ideia central do programa infantil sinistro, porém, claro, cria todo um novo terreno para a existência do programa, mas mesmo assim mantém-se fiel à lenda. Mas enfim, voltando agora ao Threshold Kids, temos aqui um programa que também é protagonizado por fantoches bizarros, apresenta um roteiro que realmente - aparentemente - não faz sentido algum, possui diálogos muito macabros e uma atmosfera muito amedrontadora, com os bonecos comportando-se das formas mais estranhas possíveis, e com ligações diretas (se percebidas) aos personagens centrais de Control. Ou seja, tudo meio que remete a Candle Cove e isso é muito interessante. Threshold Kids é um dos marcos de Control, e para mim é o que de mais legal existe no jogo em si. Eu já considero o fictício programa um marco do horror psicológico.



 Agora irei falar sobre a creepypasta mais significativa para a trama central de Control - A Casa Sem Fim. Lembra que eu estou indicando, desde o início, a série 'Channel Zero'? Pois bem, aqui vai mais um bônus acerca da mesma: a segunda temporada trata exatamente desta creepypasta, e de uma forma realmente interessante. Poderia ter sido uma temporada perfeita se não fossem os certos deslizes em cima de dramas desnecessários entre os personagens, mas mesmo assim acaba sendo a temporada mais bem feita ao meu ver. Bem, como o nome já diz, aqui temos a ideia de uma casa que não possui fim, sendo um labirinto eterno das mais bizarras coisas e situações, e quem encontra-se nela acaba preso numa quase realidade alternativa e nunca mais sai de lá.

 Para ser mais preciso e detalhista, o conto fala de um rapaz que descobre acerca de uma casa que funciona como um estranho jogo. Era simples, você entraria nela (depois de encontrá-la, claro), descobriria a saída, e ao final ganharia 500 dólares. Entre muita curiosidade e descobertas estranhas, o rapaz acaba dentro da casa e vê-se perdido entre seus inúmeros quartos com placas numéricas nas suas portas, em ordem sequencial, as portas funcionavam como etapas que vinham a ficar mais difíceis, como uma corrida entre cômodos que funcionam como quebra-cabeças tenebrosos e que mexem com sua mente das formas mais bizarras possíveis. Entre idas e vindas, sofrimentos e tudo o mais, o rapaz ainda tem sua esperança intacta de poder sair da casa, desvendar seu labirinto, e assim segue. Um, dois, três, quatro.. até que finalmente alcança a porta nove. A partir dali ele encontra uma carta em cima de uma mesa, e ao abri-la surpreende-se com a seguinte mensagem "David Williams, Parabéns! Você chegou ao final da Casa Sem Fim! Por favor, aceite este prêmio como um símbolo da sua grande conquista. Da sua eterna, Gerência". Junto com a carta encontravam-se cinco notas de 100 dólares. Seria muito feliz se, ao pegar o carro rindo desesperadamente, dirigir até a sua casa, subir a pequena escadaria e deparar-se com a porta da frente, o número dez não estivesse gravado nela.

 A temporada de Channel Zero funciona de forma muito mais direta com esta lenda urbana do que com a primeira citada, pois mesmo inserindo dramas pessoais originais dentre os seus protagonistas, trata da Casa Sem Fim da maneira que ela deve ser representada, e insere seus personagens exatamente neste "jogo" mental enlouquecedor de forma bastante eficiente. Agora voltando à trama de Control, o que tudo isso tem a ver com o jogo? Bem, tudo! Jesse, a protagonista do game, está à procura do seu irmão e, para encontrá-lo, precisa antes achar o tal prédio que abriga um departamento de estudos tidos como paranormais, pois é lá que ela tem a absoluta certeza de que o seu irmão encontra-se preso. Este prédio funciona exatamente como a Casa Sem Fim, pois não é qualquer um que pode encontrá-lo, você precisa estar "focado" em achá-lo, e ele pode aparecer em qualquer lugar, pois vive em constante "movimento". A ideia é que nem a da "Sala Precisa", apresentada em 'Harry Potter', por assim dizer. Além do mais, este departamento funciona como um labirinto entre um chamado Plano Astral, onde as coisas mais estranhas possíveis colocam-se como armadilhas e entraves na descoberta de uma possível solução. Claro que Control possui sua trama própria (e interessantíssima), obviamente, mas funciona exatamente como na creepypasta, e isso é genial.



 Pode parecer estranho e até engraçado, mas eu também irei falar do Slenderman, pois o mesmo também encontra-se presente de certa forma na trama de Control. Mais do que você pode imaginar. Eu não estou dizendo que temos alguma criatura no jogo que possua a forma da creepypasta mais famosa de todos os tempos, apesar de haver sim "entidades" tentaculares e sem rosto. O que deve ser percebido aqui vem diante das entrelinhas existentes na própria lenda da magrela entidade gigante sem rosto.

 Segundo a lenda, o Slenderman surge para amedrontar crianças, tanto como uma entidade presencial quanto um fragmento que ecoa mensagens na cabeça dos atormentados. Em Control, falando agora de coisas bem peculiares acerca de sua trama central, iremos descobrir que Jesse e o seu irmão Dylan, quando crianças, viviam na pequena e estranha cidade de Ordinary. Nesta cidade ocorreu um evento paranormal tido como grandioso entre os estudiosos do tal departamento que estamos a visitar, e desde então a Jesse possui uma entidade que fala dentro de sua cabeça, servindo como um guia e chave-mestra para certos obstáculos do tal Plano Astral. Esta tal entidade, que Jesse denomina de Polaris, não possui características físicas, apenas ecoa na sua cabeça, e não temos a real ideia se a "manifestação" está a serviço do bem ou do mal. Nós apenas seguimos sendo guiados pela mesma. Mas é aí que a figura do Slenderman, mesmo que em pequenos detalhes, surge. A entidade "persegue" Jesse desde criança e parece fazer a jovem suprimir certas lembranças e acontecimentos do mundo real, fazendo a mesma sentir-se perdida às vezes. O que seria exatamente isto? É claro que talvez isso que falei não tenha nada a ver com esta lenda urbana, porém é muito interessante - e até lógico - pensar que a criatura sem rosto pode sim ter influenciado de alguma forma o jogo.



 É certo que Control possui muitas outras referências diante de outras lendas urbanas, isso é deixado claro pela própria Remedy em anotações que encontramos em vários documentos colecionáveis que podemos coletar durante a jogatina, mas como eu falei, decidi citar apenas as mais significativas que pude perceber ao analisar a trama. É engraçado perceber também que a série Channel Zero possui praticamente todo o arcabouço presente no jogo com suas temporadas antológicas, porque apesar de eu ter citado apenas as duas primeiras temporadas, as outras duas também apresentam curiosidades que podem sim ser ligadas à lore central do jogo, como a terceira - 'Butcher's Block', que trata de desaparecimentos em parques, sendo estes geralmente ligados ao surgimento de grandes escadarias e uma entidade assassina que delas sai. O imenso departamento apresentado em Control possui inúmeras escadarias, além da sua intensa geometria que está sempre ligada aos tais "Objetos de Poder", além do tal "vilão" do game (o Ruído) surgir sempre das mais estranhas formas possíveis. Mas mesmo eu fazendo estas ligações, em certos momentos parece-me forçado, e eu resolvi não arriscar certas interpretações aqui, mas quem sabe? Já a quarta e última temporada da série do SyFy, a 'The Dream Door', trata de uma misteriosa porta que surge no porão de um casal, e a partir desta descoberta eles desejam nunca ter vislumbrado essa infame passagem. Também pode ser ligado ao Control de várias formas possíveis, e eu poderia sim teorizar diversas coisas, mas tudo também parece ser muito vasto e ao mesmo tempo sem possibilidade de integração, e diante disto eu preferi também não tentar supor certas interpretações. Mas, novamente, quem sabe?

 Como ainda não finalizei o game, talvez ainda venha a perceber mais ligações e tecer mais teorias. Podem ter certeza de que, se isso ocorrer, irei fazer uma nova listagem de possíveis creepypastas significativas e falar sobre as mesmas da forma mais coesa possível em uma talvez "Parte 2" desta postagem, certo? Podem aguardar e, se possível, joguem Control! Vocês não irão arrepender-se.


2 comentários:

  1. Lembrei desse blog hj. Queria ter agradecer pelo seu trabalho. Joguei Gone home pelas sua resenha. Obrigado pelos seus texto.

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    1. Olá, Bells! Poxa, eu que agradeço por você ainda visitar este espaço mesmo depois de certo sumiço, e desculpa a demora pra responder. Dá uma olhadinha na minha nova postagem e, se você não tiver desistido ainda de acompanhar as minhas empreitadas (hahahaha) segue o meu novo podcast, o Café de Horror! Te espero por lá! Abração.

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